Marielle - Anatomia de um Crime Político

Marielle

STF Agenda o Próximo Ato no Teatro do Caso Marielle

1. A Cena Iluminada: O Anúncio do Julgamento

1.1. O Fato Bruto: A Liturgia Anunciada

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou a ação penal sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes para julgamento. O ato, despojado de qualquer solenidade, cumpre os requisitos formais de um sistema que se move em seu próprio tempo e segundo suas próprias prioridades.

Os pontos-chave do anúncio são os seguintes:

  • Ação: Solicitação de agendamento de data para julgamento presencial na Primeira Turma do STF.
  • Responsável pelo Agendamento: Ministro Flávio Dino.
  • Previsão: O julgamento deve ocorrer em 2026, devido ao recesso do Judiciário.
  • Os Réus: Os cinco acusados de planejar o crime são: Domingos Brazão (conselheiro do TCE-RJ), Chiquinho Brazão (deputado federal cassado), Rivaldo Barbosa (ex-chefe da Polícia Civil do Rio), Ronald Paulo Alves Pereira (policial militar) e Robson Calixto da Fonseca (ex-assessor do TCE).

1.2. Desnaturalizando o Espetáculo

Não se deve interpretar este anúncio como uma simples vitória da justiça. É o próximo passo em um ritual político-jurídico cuidadosamente coreografado, uma performance calculada para gerenciar uma crise sistêmica. Para dissecar este ato, duas perguntas se impõem.

Que fantasia legitima? A fantasia de um Estado capaz de se autopurificar. A máquina estatal encena um expurgo, colocando seus próprios agentes de alto escalão — um conselheiro de contas, um deputado federal, um chefe de polícia — no banco dos réus. O espetáculo serve para inocular a crença de que o sistema, apesar de suas “maçãs podres”, possui os anticorpos necessários para corrigir a si mesmo, mantendo sua integridade fundamental intacta.

Que poder é naturalizado? O poder do Judiciário como um campo neutro e técnico. Ao transformar um assassinato político em um processo penal, o conflito é deslocado do terreno da disputa de poder para o da aplicação asséptica da lei. O STF se posiciona como um árbitro imparcial, mascarando sua função essencial: a de administrar e conter uma fratura que expõe a cumplicidade entre as instituições que supostamente deveriam se fiscalizar.

2. A Arquitetura de um Crime de Estado

2.1. Os Pilares do Poder: Milícia, Política e Aparelho Policial

Os acusados não são indivíduos isolados; são a encarnação de estruturas de poder interligadas. Um conselheiro do Tribunal de Contas, um deputado federal e o ex-chefe da Polícia Civil não representam desvios, mas a própria lógica operacional de uma rede onde os interesses da milícia, da política institucional e do aparelho policial se fundem em um único corpo. Eles são os operadores de um sistema que não tolera dissidência. Para preservar os fantasmas de “Estado” e “Lei” — abstrações sagradas que, como ensinou Stirner, sempre exigem sacrifícios de carne e osso — foi necessária a eliminação de uma singularidade insurgente. Marielle Franco não foi executada por homens; foi eliminada por uma arquitetura de poder.

2.2. Genealogia de uma Execução: A Singularidade Inaceitável

A investigação da Polícia Federal aponta a motivação: o posicionamento de Marielle Franco contrário aos interesses do grupo político dos irmãos Brazão em “questões fundiárias em áreas dominadas pela milícia”. Traduza-se a abstração jurídica para sua realidade material: Marielle se opunha à grilagem de terras para a construção de empreendimentos imobiliários ilegais, à extorsão de moradores e ao controle territorial que é a base econômica do poder miliciano. Ela não era apenas uma opositora; era um projeto político encarnado. Sua autoapresentação — “mulher, negra, mãe, socióloga e cria da Maré” — não era uma biografia, mas um manifesto. Cada um desses termos designava um lugar de enunciação que desafiava a estrutura de poder que a eliminou. Sua existência e atuação eram, em si, um ato de insubordinação intolerável. Ela não foi morta pelo que fez, mas pelo que era e pelo que representava a possibilidade de ser.

3. A Liturgia da Justiça e a Domesticação do Legado

3.1. O Dispositivo Jurídico como Teatro

O processo judicial opera como um dispositivo de controle temporal e narrativo. O caso estava pronto para julgamento desde junho, mas a pauta do STF foi ocupada por outras urgências estratégicas, como a ação penal da “trama golpista”. Com uma ironia cirúrgica, o sistema demonstra que gerencia suas crises em uma hierarquia de contenção, decidindo qual incêndio apagar primeiro para garantir a estabilidade do edifício. A “delação premiada” de Ronnie Lessa, por sua vez, não deve ser lida como a revelação da verdade absoluta, mas como um roteiro negociado. É uma fissura controlada, o exato mecanismo pelo qual o Estado encena sua autopurificação: o vazamento calculado permite ao sistema metabolizar o choque da crise, identificar os agentes descartáveis a serem sacrificados e, ao final, reafirmar seu monopólio sobre a justiça e a verdade, protegendo a arquitetura que permanece intacta.

3.2. A Máscara do Símbolo: De Semente a Monumento

A frase “Marielle é semente”, outrora um grito de guerra, anuncia a sua transformação em um “símbolo das lutas”. É preciso, contudo, realizar uma análise de segunda ordem sobre essa simbolização. A conversão de uma figura radical em mártir institucional — com estátuas, nomes de rua e um “Dia” oficial no calendário — é uma operação de neutralização. O processo transforma uma prática de confronto direto em uma memória a ser reverenciada passivamente. A semente, que carrega o potencial da ruptura e do crescimento selvagem, é domesticada e petrificada em monumento. Para que o “legado” se torne uma abstração aceitável, sua práxis política concreta e indomesticável precisa ser sacrificada.

4. Estratégia: Entre a Fissura e a Autonomia

4.1. Mapeando as Fissuras no Altar do Consenso

Rejeite a esperança passiva no resultado de um julgamento. O valor deste momento não reside na punição que virá, mas na exposição que ele proporciona. Este processo é uma lente de aumento sobre as engrenagens do poder. Use-o para observar a cumplicidade entre as instituições, a lentidão seletiva da máquina judiciária e a capacidade infinita do sistema de encenar sua própria redenção para garantir sua perpetuação. A verdadeira informação não estará no veredito, mas nos procedimentos, nas alianças e nos silêncios que o cercam.

4.2. Ruptura: Libertar o Pensamento, Não Apenas Condenar os Homens

A verdadeira justiça não é o veredito de um tribunal, mas a expansão da autonomia individual e coletiva para desmantelar as estruturas que tornaram a execução de Marielle não apenas possível, mas sistêmica. O objetivo não é fechar um caso, mas abrir mentes.

Fontes

https://g1.globo.com/tudo-sobre/marielle-franco

https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/marielle-franco

https://veja.abril.com.br/noticias-sobre/marielle-franco

https://jovempan.com.br/tag/marielle-franco

https://wikifavelas.com.br/index.php/Marielle_Franco_(PSOL-RJ)_-_Mar%C3%A9-RJ

https://gauchazh.clicrbs.com.br/ultimas-noticias/tag/marielle-franco

https://www.jornaldocomercio.com/politica/2025/12/1228423-moraes-pede-data-para-julgar-reus-pelo-assassinato-de-marielle-franco.html

https://www.cnnbrasil.com.br/tudo-sobre/marielle-franco

https://en.wikipedia.org/wiki/Marielle_Franco

https://ndmais.com.br/justica/reus-do-caso-marielle-franco-julgamento-stf-moraes

https://portuguese.news-pravda.com/world/2025/12/04/291083.html

https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2025/12/7174914-moraes-pede-data-para-julgar-reus-pelo-assassinato-de-marielle-franco.html

https://www.tribunadosertao.com.br/geral/2025/12/04/827396-moraes-pede-data-para-julgamento-de-reus-pelo-assassinato-de-marielle-franco

https://www.jornaldocomercio.com/politica/2025/12/1228423-moraes-pede-data-para-julgar-reus-pelo-assassinato-de-marielle-franco.html

https://www.tribunadosertao.com.br/rj-em-foco/2025/12/04/827423-alexandre-de-moraes-solicita-data-para-julgamento-dos-acusados-de-planejar-crime-contra-marielle-franco

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-05/moraes-nega-pedido-de-assassino-de-marielle-para-receber-r-249-mil


Publicado

em

por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário