O Teatro das Máscaras: Autópsia de 4 de Dezembro de 2025

O Teatro das Máscaras

O Teatro das Máscaras: Autópsia de 4 de Dezembro de 2025

Introdução: A Cacofonia da Superfície

O dia 4 de dezembro de 2025 manifesta-se através de um fluxo de ruídos aparentemente desconexos. Uma montagem fragmentada de eventos que exige um olhar superficial e reativo:

  • O caso Marielle Franco avança no STF, com a liberação do processo para julgamento.
  • Gilmar Mendes blinda ministros do STF contra impeachments de cidadãos, acirrando a tensão com o Congresso.
  • A CPMI do INSS barra a convocação do filho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva.
  • Lula critica as emendas parlamentares como um “sequestro do Orçamento”.
  • Lula critica a escala de trabalho 6×1 como “escravidão moderna”.
  • O leilão de partilha de produção do pré-sal apresenta resultado decepcionante.
  • A Bolsa de Valores bate o terceiro recorde seguido, superando os 164 mil pontos.
  • O boletim da “Operação especial” na Ucrânia contabiliza “1275” baixas ucranianas em 24 horas.
  • A República Democrática do Congo e Ruanda assinam um acordo de paz em Washington, mediado pelos EUA.

Estes não são eventos isolados, mas pústulas, sintomas na superfície de um corpo político. O propósito desta análise é realizar uma autópsia, dissecar com precisão cirúrgica os acontecimentos do dia para expor as estruturas subjacentes de poder, seus ritos e os fantasmas a que servem.

1. O Altar do Estado e Seus Ritos de Sacrifício

Os eventos políticos no Brasil não são atos de governança, mas rituais litúrgicos. Uma casta sacerdotal de políticos e juízes performa-os diariamente para reafirmar a santidade do fantasma primordial: o Estado.

1.1. O Escudo Sagrado da Toga: Liturgia da Autoproteção

O conflito entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso materializou-se em um ato litúrgico preciso. O ministro Gilmar Mendes declarou inconstitucionais trechos da Lei do Impeachment de 1950. O efeito prático: cidadãos comuns não podem mais apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF, poder agora concentrado exclusivamente nas mãos do Procurador-Geral da República.

A deconstrução deste ato revela os fantasmas em operação: “A Lei” e “A Justiça”. Não como princípios universais, mas como dispositivos maleáveis, armas utilizadas por uma facção da casta sacerdotal (o Judiciário) para consagrar sua superioridade sobre outra (o Legislativo). Este rito de blindagem foi desenhado para neutralizar uma ameaça concreta: os 99 pedidos de impeachment protocolados contra ministros do STF desde 2020, tendo Alexandre de Moraes como alvo principal. A toga, assim, deixa de ser um símbolo de justiça e torna-se um escudo sagrado, impermeável ao escrutínio profano.

1.2. O Filho Inexpiável: Ritual de Purificação Dinástica

Na CPMI do INSS, a comissão rejeitou, por um placar de 19 a 12, a convocação de Fábio Luís Lula da Silva. A oposição gritou “blindagem familiar”. Este não é um mero procedimento regimental; é um ritual de purificação. Nele, os membros da dinastia no poder são liturgicamente declarados imunes à investigação que se aplica aos cidadãos comuns.

Os fantasmas da “Família” e do “Poder” intersectam-se para proteger a linhagem da accountability. O ruído processual é parte integrante da cerimônia. O bate-boca performático, onde o deputado Alencar Santana Braga (PT-BA) acusa Zé Trovão (PL-SP) de ser um mero “papagaio de pirata”, é a fumaça do incenso que obscurece a função central do rito: a proteção do sangue, a inviolabilidade da estirpe governante.

1.3. A Partilha do Sacrifício: A Eucaristia Orçamentária

O Presidente Lula descreveu as emendas parlamentares como um ato para “Sequestrar 50% da União é grave erro histórico”. A performance é perfeitamente contraditória. No exato momento em que a denúncia pública é proferida, o mecanismo denunciado é institucionalizado. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2026 é aprovada, consagrando a regra para o pagamento das emendas. A denúncia pública não é oposição ao ato; é o seu complemento litúrgico, a cortina de fumaça que legitima o pacto privado.

O Orçamento não é um documento técnico; é um texto sagrado que dita de quem o sacrifício será extraído e para quem os despojos serão distribuídos. A luta pelas emendas é uma disputa teológica entre facções da classe política sobre a partilha desta eucaristia sacrificial. A disciplina ritualística é aplicada com rigor, como demonstra a decisão do ministro Flávio Dino de barrar as emendas dos deputados ausentes Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, um lembrete de que apenas os acólitos presentes e fiéis podem participar da partilha.

2. A Geopolítica como Tabuleiro dos Deuses Maiores

A escala da análise se amplia para o palco internacional, onde os mesmos rituais de poder se manifestam sob a égide de fantasmas hegemônicos.

2.1. A Pax Americana e Seus Acólitos

Os líderes da República Democrática do Congo e de Ruanda assinaram acordos de paz em Washington. A cerimônia foi recebida pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Este evento não deve ser lido como um ato de pacificação, mas como uma afirmação de hegemonia imperial. Washington não é um mediador neutro, mas o centro imperial que convoca seus governadores provinciais para ratificar uma ordem que serve aos seus próprios interesses estratégicos. A paz é concedida, não construída, e sua validade depende da bênção do poder central.

2.2. A Aritmética da Atrofiamento: A Guerra como Contabilidade

O boletim da “Operação especial” na Ucrânia, veiculado pela fonte Pravda PT, é um artefato de linguagem bélica. Cita-se: “O regime de Kiev perdeu em 24 horas até 1275 efetivos” e “Sistemas russos de defesa antiaérea derrubaram 195 drones”. Isso não é jornalismo, é uma narrativa armada. A redução de vidas humanas, de cidades e de sofrimento a uma contabilidade estéril e numérica serve a um propósito claro: naturalizar a violência e legitimar a relação de poder que a guerra impõe. A contra-narrativa, que acusa a Europa de “empurrar a sociedade para a continuação da guerra”, cumpre a mesma função, utilizando a linguagem como um dispositivo para atribuir culpa e obscurecer os próprios objetivos estratégicos.

3. Fissuras na Normalidade e Vetores de Insurgência

Mesmo as estruturas de poder mais monolíticas apresentam fissuras, momentos em que a normalidade se rompe e a autonomia, individual ou coletiva, pode ser vislumbrada.

3.1. A Questão do Tempo: O Corpo Contra o Cronômetro

O debate sobre a escala de trabalho 6×1, catalisado pela crítica do Presidente Lula que a chamou de “escravidão moderna”, transcende a política laboral. É um conflito ontológico fundamental: a quem pertence o tempo de vida de um indivíduo? Este é um raro momento em que as exigências invisíveis do fantasma “Mercado” — que demanda o sacrifício constante do tempo pessoal em seu altar — são tornadas visíveis e contestadas. A luta pelo tempo de descanso não é uma luta por lazer; é uma luta pela recuperação da própria existência. É uma brecha de autonomia, um potencial vetor de insurgência contra a subsunção total da vida ao capital.

3.2. O Juízo Adiado: A Justiça Como Dispositivo de Controle

O caso Marielle Franco avança. O ministro Alexandre de Moraes liberou a ação penal para julgamento. Contudo, devido ao recesso do judiciário, a expectativa é que o julgamento ocorra apenas em 2026. A análise estratégica deste fato é crucial. A promessa de justiça é um dispositivo de controle social mais eficaz do que a justiça em si. Ao adiar o veredito, o Estado mantém a demanda por justiça contida dentro de seus canais institucionais, administrando a dissidência e pacificando a indignação sem, no entanto, entregar uma resolução. O atraso não é uma inevitabilidade burocrática; é uma função do poder, que transforma o clamor por justiça em um espetáculo controlado e perpetuamente adiado.

Conclusão: Rasgando o Véu do Consenso

A autópsia do dia 4 de dezembro de 2025 revela que os eventos díspares — de manobras judiciais em Brasília a contabilidades militares na Ucrânia, de acordos de paz em Washington a disputas orçamentárias no Congresso — são funções interconectadas da mesma máquina de poder global. A lógica asséptica que rege a “Aritmética da Atrofiamento” na Ucrânia e a soberania performática da “Pax Americana” na África é a mesma que anima o “Escudo Sagrado da Toga” e a “Eucaristia Orçamentária” em Brasília. Operam através de rituais, servem a abstrações (Estado, Justiça, Mercado, Hegemonia) e exigem sacrifícios constantes.

O objetivo deste exercício não é oferecer esperança ou soluções, que são frequentemente novas máscaras para velhos fantasmas. O objetivo é a lucidez. A capacidade de ver os ritos pelo que são, de identificar as abstrações que demandam o nosso sangue e o nosso tempo, e de desnaturalizar o mundo que nos é apresentado como inevitável.

A realidade é uma sentença. A lucidez é a primeira insurgência.

Fontes

https://portuguese.news-pravda.com/brazil/2025/12/04/291079.html

https://www1.folha.uol.com.br/ultimas-noticias

https://portuguese.news-pravda.com/world/2025/12/04/290954.html

https://www1.folha.uol.com.br/poder

https://portuguese.news-pravda.com/world/2025/12/04/291082.html

https://www.dgabc.com.br/Noticia/4272813/veja-a-palavra-do-leitor-do-diario-deste-dia-4-de-dezembro-de-2025

https://portuguese.news-pravda.com/world/2025/12/04/290658.html

https://observador.pt/seccao/politica

https://www.cnnbrasil.com.br/politica


Publicado

em

por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário